segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Portugal: da Revolução Álibi `Revolução Necessária

"Je serais avec celui qui foutra en l'air ce régime" (Drieu la Rochelle)

Houve em tempo uma ideia, sedutora e terrível, que fez época na vida portuguesa. Ela concentrava todas as frustrações, todas as ilusões, todos os desesperos e todas as esperanças. Era a "Revolução".

Ela unia em si muitas e desvairadas gentes. Havia os jovens filho-família de aspecto linfático que tremiam de medo e pacifismo à simples lembrança de irem um dia defender um Império que o seu povo herdava; havia uma turba de cabeludos que proclamavam "make love not war" ao som de Bob Dylan e ao cheiro de marijuana; havia os tecnocratas bem vestidos que sonhavam com as maravilhas de um universo à sua medida, cheio de passaportes para a Europa, abundante em eleições, partidos e parlamentos, rico em grandes empresas e conselhos de administração; havia os intelectuais bem-pensantes, bestialmente progressistas, "pá", e cheios de obras-primas nas gavetas de que a censura tinha a chave; havia também uma juventude entediada por uma rotina em que não sentia ter um lugar, num pequeno mundo em que não descobria um sentido; houve finalmente alguns militares que descobriram que a sua missão não era defender a Terra Pátria da cobiça do inimigo, mas sim entregar-lha; estes, a "tiritar de coragem", passaram aos actos os desejos dos outros todos, e descobriram o jogo. Viu-se então o que já se podia adivinhar antes.

Ao contrário do que todos eles tinham passado anos a apregoar, não traziam a Revolução-panaceia: não era a solução para todos os males, não eram a paz nem a justiça, o que chegava. Tragicamente, foi muito o contrário. Era afinal uma "Revolução" álibi, que cada um usava como cortina a esconder ambições e desejos inconfessáveis, pequenos e mesquinhos interesses, ocultas pelas grandes e belas palavras.

E pronto, "consumatum est". Assim chegamos onde estamos. Atirados para um canto da História, aos lusíadas que fomos parece agora não restar outro destino senão assistir às periódicas mudanças de gerência a que se dedica o Regime que usurpou a Cidade e traiu as gentes. Despojados da grandeza ainda há pouco realidade, parece não podermos senão resignarmo-nos a que tudo o que no Universo vive e mexe se passa longe de nós, sem nós; porque um povo que se demitiu da sua História, aporrinhando-se num pequeno e velho rectângulo à ilharga da Europa, após trespassar a troco de coisa nenhuma o que em si havia de inestimável e único, a sua dimensão universal, não pode aspirar dizer seja o que for aos grandes centros que repartem o mundo. Assim tristonhos e esquecidos, pareceria que nos deveríamos acostumar à ideia de, democraticamente é claro, irmos aos poucos morrendo em vida. "Nem rei nem lei/nem paz, nem guerra,/definem o fulgor baço da terra/que é Portugal a entristecer...".

Mas qual o lugar que querem que eu ocupe nisto tudo? Eu – e comigo todos os que também têm 20 anos – que não têm por hábito a resignação ou o colaboracionismo, que não tiveram culpa nem aceitam ficar com a factura, nós também temos que figurar na trágica farsa que aqui levaram à cena? Devemos ir, cortadamente mendigar votos de chapéu na mão, ou correr humilde e esforçadamente, atrás de uns lugarzinhos no Parlamento? Por mais mil vezes que as vozes sensatas me aconselhem sim, – eu lhes gritarei: não e não!

Antes direi que há uma ideia a abrir um caminho, uma esperança que é preciso restaurar. Chama-se Revolução, mas uma revolução justa, verdadeira, e há-de ser nacional e popular, patriótica e social. É preciso que ela de novo incendeie os corações, mobilize os esforços, congregue os sonhos e os desejos das almas despertas. Há-de ter o sabor e a força da juventude, a alegria e a verdade do povo em luta. Não me perguntem comos, porquês, quandos e ondes: sei apenas que ela é necessária porque é indispensável. Esgotados os homens, cansadas as almas, porque não acender uma esperança? Antes que seja tarde…

Já ouço gritarem-me: "mitómano!", mas logo responde por mim o Fernando Pessoa: "o mito é o nada que é tudo"… "Sem a loucura/que é o homem/mais que a besta sadia/cadáver adiado que procria?" Calma, gente de moderação e juízo, que ainda hei-de estar vivo quando vocês todos forem lixo! Eu só queria levar a cada um um pouquinho de loucura…

Sem comentários:

Enviar um comentário